O DNA talvez seja a molécula mais importante do corpo humano: ele contém a informação genética necessária para garantir o funcionamento de cada célula através da síntese de proteínas. São essas proteínas que executam a maioria das funções do organismo, desde construir estruturas celulares até atuar como enzimas e hormônios.

Quando há uma alteração no DNA, chamada de mutação, uma “receita” para a síntese de proteínas pode ser alterada, resultando em proteínas defeituosas, ausentes ou até mesmo hiperativas. É justamente isso que acontece em muitas doenças genéticas: a informação original está corrompida, e a proteína resultante não é produzida ou não cumpre seu papel corretamente, comprometendo algum processo biológico do corpo.
Como surge uma mutação genética
O DNA também é a molécula responsável por transmitir as informações genéticas para a próxima geração de células – para isso, ele precisa ser duplicado e cada célula-filha fica com uma cópia ao final da divisão celular. Durante o processo de cópia do DNA, podem acontecer erros que alteram a sua sequência – são as lesões.

As lesões também podem acontecer por meio de agentes externos que atacam a sua integridade, como os raios ultravioleta do sol ou os radicais livres, que “sequestram” elétrons do DNA. Os danos às células e ao DNA podem desencadear complicações de saúde, como envelhecimento precoce ou câncer de pele.
A própria célula possui mecanismos de reparo de DNA para detectar e consertar as lesões no DNA. Porém, algumas lesões passam despercebidas e a célula segue normalmente pelo processo de divisão celular, o que acaba fixando esses erros no DNA e perpetuando-os para as próximas gerações de células-filhas. As lesões passam então a ser chamadas de mutações.
Que tipo de mutação pode levar a uma doença genética
Nem toda mutação leva ao desenvolvimento de uma doença genética – só as que acontecem em regiões do DNA que geram alterações críticas na produção ou no funcionamento de proteínas, as moléculas executoras de funções no organismo. Vale lembrar que, na maioria das vezes, é a combinação de múltiplas alterações genéticas, junto com fatores ambientais (do contexto do indivíduo), que determina o surgimento de um quadro clínico.
Uma doença genética, portanto, costuma aparecer quando uma mutação atinge uma região funcional essencial, escapa dos mecanismos de correção e se mantém ao longo das divisões celulares. Isso pode comprometer o funcionamento de proteínas fundamentais e afetar o organismo de forma mais ampla.
Como uma pessoa adquire uma doença genética
Um indivíduo pode desenvolver câncer de pele, por exemplo, devido a um acúmulo de mutações no DNA causadas pelo excesso de exposição aos raios solares – neste caso, as mutações genéticas ocorreram em uma célula somática e a pessoa não as passará para os filhos.
Mas, a sucessão de eventos que levam a mutações genéticas pode acontecer em qualquer célula do corpo (célula somática) ou em células germinativas, que originam os gametas (oócitos ou espermatozoides).

Se mutações “novas” ocorrerem na célula germinativa que originará o filho de um casal, são chamadas de mutações de novo e a criança poderá ter uma doença genética – é assim que se origina uma doença genética na família. Um exemplo é a mutação de novo no gene FGFR3 que pode levar à acondroplasia, uma forma de nanismo (ATENÇÃO: na maioria dos casos, a mutação em FGFR3 é de novo, mas ela também pode ser herdada de genitores com acondroplasia).
Uma pessoa com doença genética pode não ter mutação de novo, e sim mutação herdada. Funciona assim: um ou ambos os pais podem ter uma mutação que surgiu em algum de seus ancestrais. Essa mutação “veio de fábrica” em todas as células do corpo – incluindo as germinativas. Por isso, ela pode ser transmitida para o filho.
De qualquer forma, é interessante observar que toda doença hereditária um dia surgiu pela primeira vez de uma mutação de novo!
O tipo de doença genética também importa

Às vezes, basta uma mutação para causar a doença (de herança dominante), outras vezes, são necessárias mutações nas duas cópias do DNA – uma que veio do pai e outra que veio da mãe (doenças de herança recessiva). Existem também as doenças (multifatoriais) influenciadas por vários fatores genéticos e ambientais – nesse caso, ter uma mutação aumenta a probabilidade de ter a doença, mas ela não é suficiente e, por vezes, nem necessária, para desenvolver a doença.
A Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença rara que, entre outros sintomas, deixa a pele frágil,é um exemplo de doença genética hereditária que tem várias formas: dominante, recessiva e multifatorial – influenciada por vários genes e também por condições ambientais, como a temperatura e a umidade do ar.
Vale lembrar: quando o assunto é doença genética, nem toda mutação, mas sempre uma mutação! Quer dizer, nem todas as mutações são “ruins” e geram doenças! As mutações ocorrem de forma aleatória em todos nós e podem até impactar positivamente na sobrevivência da espécie a longo prazo. Um bom exemplo é o próprio sistema imunológico, que depende de mutações naturais e programadas para gerar diferentes anticorpos capazes de reconhecer milhares de ameaças diferentes. Nesse sentido, o primeiro passo para qualquer tratamento de uma doença genética é a sua caracterização e identificação correta (se quiser saber mais sobre isso, confere aqui: A terapia gênica serve para tratar qualquer doença?).
Nicole Brunner é farmacêutica, especialista em terapia gênica e pesquisadora apaixonada por ciência.
Revisão: Victor Felipe, Andréa Grieco e Karina Griesi
